segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Ação Econômica e Estrutura Social:o problema da Incrustação

GRANOVETTER, Mark. “Ação Econômica e Estrutura Social: o Problema da Incrustação” In: A Nova Sociologia Econômica. Celta Editora, 2003.


O que será proposto no artigo

Ø Analisar os mercados e hierarquias
Ø As possibilidades dos sociólogos estudarem a vida econômica


Introdução ao problema da incrustação

Comportamentos e as instituições versus Tradição utilitarista, economia clássica e neoclássica

A proposta de “incrustação” de Granovetter, defende que os comportamentos e instituições são condicionados pelas relações sociais.

Visão dominante “(...) em sociedades pré-capitalistas se encontrava maciçamente incrustado nas relações sociais, se tornou mais autónomo com o advento da modernização. Esta perspectiva entende a economia com uma esfera diferenciada, progressivamente separada na sociedade moderna.” (p.69-70)

Perspectiva do artigo – “(...) defende-se que o nível de incrustação do comportamento econômico é menor em sociedades não reguladas pelo mercado que o afirmado por substantivistas e teóricos do desenvolvimento, em que esse nível mudou menos com o processo de ‘modernização’ (...) (p.70)

Concepções subsocializadas e sobressocializadas

Concepção sobressocializada do homem na sociologia moderna – Concepção de pessoa oprimida pela opinião dos outros, obediente as diretrizes de sistemas de normas e valores interiorizados pela socialização.
Concepção subsocializada - “O facto desta concepção vigorar em 1961 deve-se, em grande parte, ao reconhecimento de Talcott Parsons do problema da ordem, colocado por Thomas Hobbes, e pela sua própria tentativa de resolvê-lo ultrapassando a concepção atomizada e subsocializada do homem presente na tradição utilitarista seguida, entre outros, por Hobbes (Parsons, 1937: 89-94)” (p.71)

Ataques a visão idealista dos mercados de competição perfeita
Razões:
1ª- “(...) em parte, ao facto das estruturas económicas de auto-regulação serem, para muitos, politicamente atractivas. (p.72)
2ª- “(...) a eliminação das relações sociais de análise económica conduz a que o problema seja afastado da agenda intelectual, pelo menos no que concerne à esfera económica.” (p.72)

“Na perspectiva de Hobbes, a desordem é originada pelo facto das transações económicas e sociais sem conflito dependem da confiança e da ausência de má-fé. (...) Hobbes defende, para combater este problema, a imposição de uma estrutura de autoridade autocrática.” (p.72)

Convergências entre a concepção subsocializada e a sobressocializada - “ambas coincidem na ideia de que as acções e as decisões são levadas a cabo por actores atomizados. Na concepção subsocializadas, a atomização resulta da persecução utilitarista dos interesses próprios; na concepção sobressocializada, deriva da ideia de que os padrões comportamentais são interiorizados (...)” (p.73)

Concepções sobressocializadas (Também mecânicas) – “uma vez conhecida a classe social do indivíduo ou o seu segmento do mercado de trabalho, todo seu comportamento é automático, pois resulta de uma socialização bem sucedida. (...)” (p.74)

Crítica análise sobressocializadas – “Análises mais sofisticadas (logo, menos sobressocializadas) das influências culturais assinalam que a cultura não constitui uma influência definitiva mas sim um processo continuado, permanentemente em construção e reconstrução ao ritmo da interacções. Não condiciona apenas os seus membros, mas é também condicionado por eles, em parte de acordo com as suas próprias estratégias.” (p.74)

Ø “Uma análise profícua da acção humana implica que evitemos a atomização implícita nos pólos teóricos das concepções subsocializadas e sobressocializadas.” (p.75).

Incrustação, confiança e má-fé na vida econômica
A partir dos anos 70 – aumenta o interesse dos economistas por questões, anteriormente ignoradas, da confiança e da má-fé.

Ø “Oliver Williamson nota que os actores económicos reais se pautam não apenas pela prossecução dos seus interesses, mas também pelo ‘oportunismo’” (p.76)

“Desvenda-se assim que um curioso pressuposto da teoria económica moderna: o interesse econômico pessoal é apenas procurado através de meios relativamente dignos. (...) Porém, como reconheceu claramente Hobbes, nada no sentido intrínseco do ‘interesse próprio exclui o recurso à força ou à fraude.” (p.76)

Questão - Como pode a vida econômica diária não ser assolada pela desconfiança e pela má-fé?

A Literatura econômica possui algumas respostas para estes problemas.

Perspectiva subsocializada (Nova economia institucional) “ A ideia geral sustentada pelos membros desta escola é a que as instituições e os arranjos sociais, anteriormente considerados como resultado casual de forças políticas, sociais, históricas ou legais, podem ser melhor interpretados enquanto soluções eficientes para determinados problemas económicos.” (p.77)

Ø “Neste contexto, considera-se que a má-fé é evitada através de inteligentes arranjos institucionais que tornam demasiado custosa a sua colocação em prática.” (p.77)

Ø “ Outros economistas reconhecem que um certo nível de confiança tem que existir, dada a incapacidade dos dispositivos institucionais para evitar totalmente o recurso à fora e à fraude.” (p.78)


Argumento da incrustação – Ênfase no papel das relações pessoais e estruturas (ou redes) dessas relações na origem da confiança e no desencorajamento da má-fé. [Neste sentido a confiança em negociar com pessoas honestas é muito importante]

Ø “(...) melhor que a afirmação de que alguém é conhecido pela sua honestidade é a informação recolhida junto de informadores credíveis que negociam com esse indivíduo e o consideraram honesto.” (p.79)


Oportunismo – O “dilema do prisioneiro” não se verifica em relações mais íntimas.
Ex: No interior das famílias não se verifica o Dilema do prisioneiro por que cada um esta confiante de que pode contar com os outros.

Ø “ Nas relações de negócios, o grau de confiança é muito variável mas o Dilema do prisioneiro é, ainda assim, , frequentemente contrariado pela força das relações pessoais.” (p.79)


Proposta de Granovetter possui um risco – Trocar um tipo de funcionalismo por outro “(...) em que as redes de relações em vez da moral ou das instituições, constituem as estruturas que asseguram a função de manutenção da ordem.” (p.80).

Duas formas para diminuir este risco

1ª – Enquanto solução para o problema da ordem a perspectiva da incrustação é menos universal > redes de relações sociais penetram irregularmente e em diferentes graus nos vários setores da vida econômica.
2ª – As relações sociais, em muitos casos são condição necessária à confiança e ao comportamento honesto, mas não suficiente para garantir a má-fé ou conflito. Três são os motivos:
1ª) a confiança proporcionada pelas relações pessoais provoca oportunidade de má-fé > “Se magoa sempre que se ama”. Para se dá um golpe primeiro se estabelece laços de confiança, depois a má-fé.
2ª) A força e a fraude > mais eficácia em grupo. Esquema de suborno e conluios dificilmente é levado a cabo por indivíduos isolados.
3ª) A dimensão da desordem provocada pela força e pela fraude depende muito do modo como a rede de relações sociais está estruturada [Hobbes exagerou o alcance da desordem provável no seu estado de natureza atomizado.]

“O mesmo acontece no mundo dos negócios, onde os conflitos são relativamente tênues, a não ser que cada uma das partes possa desenvolver contactos com um número substancial de aliados em outras empresas (...)” (p.82)

Ø A desordem e a má-fé acontecem também na ausência de relações sociais.

Onde se localiza a perspectiva da incrustação?

Ø Entre a proposta sobressocializada da moral generalizada e a visão subsocializada dos dispositivos impessoais e institucionais.

A questão dos mercados e das hierarquias

Como aplicação prática da perspectiva da incrustação à vida econômica, propõe-se neste artigo uma crítica a teoria de Oliver Williamson em Markets and Hierarchies (1975).

“A sua resposta, consistente com a ênfase geral numa determinada situação é sempre aquela que lida mais eficientemente com custos das transações económicas.” (p.82)

Ø “... o primeiro conjunto de transações é interiorizado no seio de hierarquias por duas razões.
1ª Racionalidade limitada dos atores
2ª Oportunismo [Procura racional por benefícios próprios]

“O oportunismo é mitigado e constrangido pelas relações de autoridade e pela identificação mais estreita entre os parceiros de trasacção (...)” (p.83)

Ø Apelo às relações de autoridade, redescoberta da análise hobbesiana, agora confinada a esfera econômica. “(...) as promessas de boa-fé revelam-se falíveis na ausência de uma autoridade supervisora.” (p.83)

“Esta análise inclui a mesma mistura dos pressupostos subsocializados e sobressocializados encontrados no Leviatham.” (p.84).
Ø A concepção de mercado remete ao estado de natureza em Hobbes.
Ø A influência da estrutura social no comportamento do mercado é tratada como exceções por Williamson.

Granovetter defende que “(...) o mercado anómimo dos modelos neoclássicos é virtualmente inexistente na vida económica e que as transações de todo o tipo estão associadas às conexões sociais descritas.” (p.85) Ele pretende mostrar a existência de uma camada social que se sobrepõe às transações econômicas entre empresas.

“Existem à nossa volta inúmeras evidências do alcance da mistura entre relações de negócios e sociais.” (p.85)
Ø Não é percebido o jogo de reciprocidade necessário nos negócios.

Ø “Não é apenas nos níveis de topo que as empresas estão ligadas por redes de relações pessoais, mas em todos os níveis a que as transações têm lugar.” (p.86)

Relacionamento compra-venda numa indústria não se aproxima do modelo spot-market da teoria clássica. [Trocas descontínuas/anonimato]. Na prática se verifica um reduzido leque de fornecedores. Razões:

1ª Custos associados à procura de novos fornecedores.
2ª Idéia que os riscos diminuem quando se trabalha com fornecedores conhecidos.

Robert Eccles e o exemplo da construção civil - Em países onde as regulações institucionais não obrigam à execução de concursos públicos, observam-se relações estáveis e duradoras entre a empresa principal e as subcontratadas. > Há se pode chamar de “quase-integração” que forma uma “quase-empresa”. Explicação para o fenômeno:

1º Razão de investimento – através de uma associação continuada, ambas as partes podem beneficiar do investimento algo idiossincrático em aprender a trabalhar com a outra.

2º Desejos dos indivíduos de usufruírem das interações sociais. “(...) aquilo que começa por ser uma transação puramente económica pode adquirir um revestimento de relações sociais cuja importância é vital.” (p.88).

Na visão de Williamson – O principal impedimento à avaliação de experiências entre empresas está relacionado com a comunicação.

Ø “Porém, para sustentar a ideia de que as informações correctas sobre as características de um trabalhador apenas são transmitidas no interior das empresas e não entre elas, é preciso ignorar as variadíssimas redes sociais de interação que ligam as empresas.” (p.88)

Ø Para Williamson a informação interna das empresas é “correta” e “neutra” “ (...) invoca um ideal-tipo de promoção do género recompensa-por-desempenho, que logo se observa não ter mais que uma correspondência parcial com mercados internos de trabalho existentes.” (p.89)

Williamson sobrestima a eficácia do poder hierárquico exercido no interior nas organizações. [Exemplo das Auditorias]

Melville Dalton afirma que: “(...) a contabilidade dos custos de todos os géneros é um processo altamente arbitrário e, por conseguinte, facilmente politizado, mais do que um procedimento técnico decidido em termos de eficiência.” (p.89-90).

“ Dalton comenta que o nível de cooperação praticado pelos chefes dos departamentos da fuga às auditorias centrais envolve uma acção conjunta ‘de um género que raramente, ou nunca se vê nas actividades oficiais” (p.91)
Ø Baixo nível de rotação de pessoal incentiva a cooperação. (Redes estáveis e densas re relações).
Ø Na burocracia ideal-weberiana, as organizações são pensadas para funcionar independente das ações coletivas mobilizadas por redes interpessoais.

Granovetter defende – “(...) que as relações sociais entre empresas são mais importantes, e a autoridade no interior das empresas menos na manutenção da ordem económica (...)”. (p.91)

O poder nas relações de mercado e nos contatos sociais no interior das empresas

Ø É necessário evitar a ênfase no papel silencioso nas relações sociais no “mercado” conduza a desvalorização do papel silencioso dessas relações me situações de conflito.

Ø “Em geral os conflitos apenas se tornam públicos quando os dois lados se encontram muito igualados.” (p.92)

Ø “ (...) as relações de poder não podem ser ignoradas. Este quadro fornece ainda uma razão adicional para duvidar da ideia que as complexidade emergentes dos negócios entre agentes em igualdade formal podem ser resolvidas somente pela assimilação de todas as partes numa única hierarquia (...) (p.92

Diferença entre a proposta de Williamson e a perspectiva da incrustação

Williamson – “(...) explica a ausência de ‘oportunismo’ ou de má-fé na vida económica e a existência generalizada de cooperação e ordem pela inscrição das actividades económicas complexas em empresas integradas hierarquicamente.” (p.93)

Incrustação – afirma que há uma dependência da natureza das relações pessoais e das redes de relações criadas entre as empresas, e no seu interior. Suma “(...) a ordem e a desordem, a honestidade e a má-fé têm mais a ver com as estruturas dessas relações que com as formas organizavionais.” (p.93)

O que foi abordado no artigo:

Ø Confiança , Má-Fé
Ø Crítica ao argumento dos “mercados e hierarquias” de Williamson.

“ O ponto de vista proposto neste artigo implica que a futura investigação sobre a questão dos mercados e das hierarquias conceda uma atenção minuciosa e sistemática ao padrões reais de relações pessoais através dos quais as transacções económicas são levadas a cabo.” (p.94).

Ø Estudos empíricos – Pouca atenção aos padrões de relacionamento. [Dados são mais difíceis e o quadro dominante da economia continua a ser o de atores atomizados].
Ø A maior parte do comportamento do mercado encontra-se incrustado nas relações interpessoais. [Evitando visões extremistas das perspectivas subsocializadas e sobressocializadas da ação humana.]


Por que estudar o comportamento econômico ?

1ª – Comportamento interpretado inadequadamente por profissionais ligados à teorias atomizadas.
2ª – Sociólogos não têm evitado análises aprofundadas sobre temas da economia neoclássica. [Todo processos de mercados são passíveis de análise sociológica].


Ø As relações sociais, mais do que os dispositivos institucionais ou a moral generalizada, são as principais responsáveis pela produção de confiança na vida econômica.

“É minha convicção que um dos mecanismos mais importantes de menos analisados destas mudanças é seus impacte nas relações sociais em que a vida económica se encontra incrustada. Se assim for, torna-se impossível estabelecer uma ligação adequada entre os níveis micro e macro sem uma compreensão mais completa dessas relações.” (p.97).

Um comentário:

Riita disse...

Muito bem explicado.
Esclareceu totalmente as minhas questões.
Obrigada